quinta-feira, 18 de abril de 2024

espelho

eu me olho no espelho
e constato que minha barba
já está quase toda branca.
mas não é a barba de igor,
este que escreve o poema,
nem a barba do eu lírico,
que sendo personagem,
depende de mim para existir.
eu me olho no espelho
e vejo a barba branca do leitor,
esse eu com o poema nas mãos,
que sei que a barba branca não é a barba branca,
que sou mulher, que sou adolescente,
que compro lâminas de barbear todo mês,
que tenho barba preta, ruiva, até mesmo branca,
mas a minha barba branca do espelho,
que leio no poema,
é algo que só pertence a mim,
enquanto leio,
enquanto devaneio.
não me chamo igor,
não sou eu lírico,
sou eu empírico,
me olhando no espelho da leitura,
sem julgamentos de beleza ou feiura,
olhando minha barba branca que aparo
e que acaricio,
depois de escovar os dentes,
antes de tomar café

I.R.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

dubito

a dúvida é uma janela pro multiverso
que não se ocupa do que faço,
mas das várias possibilidades
do que não fiz,
das alegrias e das culpas do que vou fazer.
a dúvida não tem dívida com o presente.
contas saldadas,
sem tristeza ou ansiedade,
sem “e se...” e sem saudade.
sem “e se...”, só “e, sim”.
a dúvida é o que carcome,
o que impulsiona,
a dúvida consome e emociona,
a dúvida é uma porta para o mistério,
um prato cheio ou um caso sério...
a matrioshka das nossas decisões.

duvido, logo sou.

I.R.

sexta-feira, 12 de abril de 2024

repouso

antes de alçar voo, 
o poema descansa
como a tela, como a melodia,
como deus no sétimo dia
descansa o poema,
enquanto se destrança,
se destranca, se destrincha,
se decanta... 
em uma hora,
em um mês,
em um verso de cada vez, 
em uma fração de segundo... 
o poema em busca de sentido, 
o poeta em lutas de sentir 

I.R. 

terça-feira, 9 de abril de 2024

(por)tanto

o que guardo comigo, e então não conto,
não digo por querer saber o quanto
sou em mim meio diabo e um pouco santo,
e então não aumentar nem mesmo um ponto

se não falo, não é por ser um tonto, 
mas por ser responsável do que planto, 
do que colho em meu riso ou no meu pranto, 
eu sempre em formação e nunca pronto 

palavras são levadas pelo vento, 
mas agora o que eu quero e o que eu tento, 
é só me libertar do labirinto, 

e então contar, tão solto em meu conjunto, 
livre para qualquer que seja o assunto, 
e assim poder falar tudo o que sinto 

I.R.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

diversos

mi cabeza es un rompecabeza
hecho de astillas,
de pensamientos esparcidos
y frágiles como vitrales coloridos.
mis ideas son un cross
a la cruz de mis verdades, 
de mis certezas de manual. 
mi cabeza es un astillero, 
(o un desarmadero,) 
y mi vida es como el tatuaje, 
que no lo hice, 
por falta de coraje, 
y lo convertí en poema... 

soy un poema hecho de virutas, 
con versos de aserrín

I.R.

terça-feira, 2 de abril de 2024

química

a alquimia de amalgamar
o impensável, o improvável,
o impossível,
não me faz menos ou mais sensível,
mas consciente do amor que dei
(que dou)
e das insensibilidades que distribuí.
nessa caminhada, andei de salto alto,
de chinelo com meia,
chutei a porta de saída de coturno,
fui feliz e fui soturno,
sortudo e infeliz...
mas na arte da desnudez,
nesse desnudamento de quem sou,
ao entrar na vida do outro,
quero entrar descalço,
e encarar qualquer percalço
como quem vê o nascer do sol
na areia da praia de manhã.

I.R.

quarta-feira, 27 de março de 2024

"animado"

não tenho alma,
tenho consciência.
e não reencarnarei
nem serei salvo,
pois os destinos do além 
se aplicam apenas para quem crê. 
minha sorte será ser adubo,
é mais barato que virar cinza
e ser jogado nas águas do mar.
gosto da vida,
a morte não é um dos meus medos, 
tenho outros, 
que não são segredos,
mas não importam... 
este não é um poema do que temo, 
isto é só um poema de amor.

I. R.

domingo, 24 de março de 2024

soneto do (des)entrosamento

escrevo como forma de expressão
me calo como um jeito de expressar,
que às vezes eu não tenho o que falar,
ou prefiro guardar minha emoção. 

as coisas do querer nem sempre são
iguais àquelas coisas de gostar,
mas gostar e querer, ir ou voltar,
são parte desta roda de ilusão. 

como a engrenagem torta do sistema,
que resolvendo gera outro problema,
causa e efeito no agito da consciência, 

me vejo como peça da engrenagem, 
me rebelo, talvez, como um selvagem, 
assumindo meus níveis de incoerência

I.R.

quinta-feira, 21 de março de 2024

na contramão

o dedo que aponta é rígido,
enquanto a língua que julga é afiada
e avança à jugular,
saindo de uma boca que não ri.
vomitamos verdades, lições de moral,
e impomos certezas sobre o que vemos,
com a beleza de um vazamento de óleo,
de um desastre ambiental,
com o encanto de um lixão a céu aberto
(mas olhos nem sempre são confiáveis)
...
cada um tem suas sombras,
suas sobras de um inteiro imperfeito.
nessa vida, de telhado de vidro,
que vai além de só causa e efeito,
quero aprender a cultivar o silêncio

I.R.

segunda-feira, 18 de março de 2024

vidrado

penso na fragilidade do vidro,
sinto a impermanência do vidro,
e a possibilidade da pedrada na vitrine,
enquanto o sol filtrado no vitral
ilumina imagens coloridas.
penso na delicadeza do vidro,
em sua natureza e vulnerabilidade,
copos, taças, cúpulas, tijolos, telhados,
e a probabilidade ou o medo
da queda, da pedra, do trincado...
frasco, tela, janela, vidraça,
a garrafa de vinho e a de cachaça...
vivo a fraqueza dos meus óculos
e a franqueza com que me olho no espelho

I.R.