domingo, 30 de agosto de 2009

sábado, 29 de agosto de 2009

Carta para Belchior

Buenos Aires, 29 de agosto de 2009

Prezado Belchior,

Talvez você esteja acompanhando o rebuliço que causou a reportagem do Fantástico, comentando o seu desaparecimento. O resultado da matéria foi uma série de brincadeiras e também de homenagens, valorizando o seu trabalho, trazendo de volta a sua arte e tratando com humor essa sua ausência de dois anos.

Antes de mais nada, espero que você esteja bem.

Quanto ao sumiço, não nos conhecemos além de algumas das suas músicas, não me sinto capacitado para dizer ou comentar os motivos que levaram você a essa decisão. Dívidas? Falta de reconhecimento? Depressão? Não sei e provavelmente não me interesse saber.

Sei que você é de uma geração importante na música brasileira. A geração nordestina dos anos 70. Geração de trovadores. Você, Fágner, Amelinha, Ednardo, Zé e Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Juntos e, principalmente, separados, vocês mostraram ao ‘sul maravilha’ que o nordeste era mais amplo do que a Bahia e que sua música não era apenas xote, xaxado, baião, forró e frevo, mas também urbana, de protesto, romântica, com letras instigantes, sem abandonar toda a herança da música regional.

Não sei se você se lembra, mas há alguns anos, Tom Zé estava no ostracismo. Não era conhecido pelas novas gerações e as antigas gerações também não lhe davam o reconhecimento de seu valor musical que lhe era devido.
Tom Zé estava de malas prontas para ir cuidar de um posto de gasolina no interior da Bahia, quando uma ligação de David Byrne o trouxe de volta ao cenário musical, nacional e internacional.

Não digo que isso vá acontecer com você. Afinal, vocês são pessoas diferentes, com carreiras diferentes e talvez a sua música não tenha esse perfil internacional. Mas o que importa, não? O importante é ter o próprio espaço, ser reconhecido por ele e, no seu caso, continuar produzindo.

Bem, Belchior, é isso. Se você estiver me lendo, espero que volte. A sua família, o seu público e a música brasileira estão te esperando.

Um abraço,

I.R.

PS: Acredito que as brincadeiras feitas com o seu desaparecimento se devam ao caráter jocoso do brasileiro, de brincar com tudo, com todos, inclusive em momentos que exigiriam maior seriedade. Espero que você esteja bem e se divertindo com todo esse fuzuê.

PS1: Que falta Elis Regina fez à sua carreira, não?





I.R.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PS: دولة فلسـطين

Em nome de uma Palestina independente,

um alaúde enfeitiça muita gente,
dois alaúdes enfeitiçam, enfeitiçam muito mais.

dois alaúdes enfeitiçam muita gente,
três alaúdes enfeitiçam, enfeitiçam, enfeitiçam muito mais.



Le Trio Joubran

I.R.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

boa ideia

a flor arrancada
nos jardins de paris
anuncia a queda da bastilha.
a porta, derrubada por um aríete,
é consumida
por uma fogueira de celebração.
chove
e o aríete molhado
corre pelos jardins de paris
arrancando a flor
e arrombando a porta
para a vitória do povo.
olhos nos olhos.
chove,
e a capa que nos protege
cola na pele como um band-aid.
olhos nos olhos,
a flor arrancada em paris
anuncia que a bastilha caiu.

I.R.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

amiúde

o alaúde iluminado
alude à realidade
não à ilusão;
alumia o minarete,
alimenta o campanário,
é ponte aérea
num tapete mágico
entre dois mundos:
crescente e estrela,
cruz e sacrário.
e eu me deslizo em suas cordas
me orgializo em suas odaliscas...
a la una
a las dos
y a las tres


I.R.

PS:

alaúde

oud







I.R.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Santiago



Pensei em fazer um poema ou em escolher uma música para acompanhar a imagem. Bobagem. Já está tudo dito. Tudo dito vivido e por outros em diferentes momentos. Tudo já foi exposto, sentido, apresentado, com muita emoção, com muito amor e com uma diferença... enorme. Em todos os outros casos, o pai não era eu.

I.R.

sábado, 22 de agosto de 2009

Panis et circencis

Desde que o império romano deu ao mundo a política do pão e circo, o alimento e a diversão foram para todos, em troca da liberdade e do pensamento crítico da população, tudo em nome da ordem e do regime vigente.

Aqui na Argentina, depois de ditaduras e planos econômicos fracassados, o pão ainda anda escasso para uma boa parte da população.

E o circo, até esse há décadas havia sido privatizado. E a nós, homens sem decodificador oficial ou pirata, restava o rádio. Ou ver as imagens das arquibancadas, aquelas que nos lembravam a nossa condição de marginalizados, de quem suava pelo pão, mas sem direito ao circo.

Mas as ditaduras terminam. Em algum momento terminam. E essa terminou. O circo novamente é do povo. Desde ontem, o campeonato argentino passa grátis na televisão pública.

Circo para o povo, sem decodificadores. Agora só falta que o pão também seja um direito de todos.



I.R.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Nascido entre a Espanha e a França - Basco

apesar do teu nome,
vens de portugal numa caravela,
não vais para as índias,
vens d'além mar
para o rio de janeiro
para são cristóvão
e te instalas,
e remas,
e jogas bola,
abres tuas portas
aos pobres,
aos negros e mulatos,
torna-te campeão,
vencedor,
e se hoje vives
teu momento de tempestade,
tornamo-nos ainda mais presentes
para desejar-te como presente
tua volta ao lugar
que sempre foi teu.



I.R.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

esporte amador

a agressão devolvida com agressão,
a palavra que fere
respondida com uma palavra ferina,
a falta de gentileza
gerando falta de gentileza.
estado de tensão,
estado de sítio,
vida feito jogo,
bola transformada em bomba,
e eu, longe de ser profissional,
não jogo tênis,
não participo do grande slam,
sou um simples amador
jogando pingue-pongue.

I.R.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Vigésimo-terceiro bilhete para um world músico

Buenos Aires, 19 de agosto de 2009

Prezado,

estamos em agosto. Hoje está fazendo frio e uma chuvinha insiste em não cair de vez. Falta muito para a folia de momo. Mas desde que inventaram o carnaval fora de época, isso deixou de ser importante. Mesmo sem samba, sem máscaras e sem trios... Mesmo que a música seja, ao menos para os brasileiros, uma total desconhecida.

Um abraço,

I.R.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Labirinto


http://goodsky.homestead.com/files/

Quando coloquei meus pés no labirinto, minha primeira reação foi a de soberba, a de dizer que em questão de minutos estaria do outro lado. Um simples labirinto não era nada comparado à minha astúcia, à minha sagacidade, ao meu engenho.

Foi assim, armado desse espírito que dei meu primeiro passo rumo ao desconhecido.
No início, munido dessa autoconfiança, caminhei seguro, com passos firmes, sabia que o outro lado estava perto. As paredes e as passagens se sucediam, mas todos os becos tinham saída, até que me vi passando duas vezes por um mesmo lugar.

Eu sabia que era o mesmo. Aquela parede tinha uma mancha de mofo peculiar. Um mapa de mofo como a bota italiana. A bota italiana chutando uma ilha. Eu já tinha passado por ali.

Senti certo incômodo. Talvez insegurança seja a palavra. Mas a minha confiança em mim, no meu senso de direção, não me deixou aceitar o que já intuía estar acontecendo.

Como dotado de um sexto sentido, me deixei levar pela minha intuição e procurei as passagens que estavam à minha direita. Passei por uma parede vermelha, muito vermelha, com bolinhas azuis, contrastando com as demais, todas pintadas com o mesmo tom sem vida.

As paredes voltaram a se suceder. A confiança havia voltado. Meus passos eram firmes, até que aconteceu de novo.

Seguindo à minha direita, depois de virar na primeira entrada possível ali estava ela, mais uma vez. A bota de mofo na parede. Tive medo. Sentia como se o próprio Berlusconi e seu harém de prostitutas estivessem tramando para me impedir de sair dali.

Pensei em correr, mas era inútil. Para onde iria? Não andava em círculos, embora voltasse sempre ao mesmo lugar. Resolvi mudar de lado e ir pela esquerda. Talvez esse labirinto fosse uma fábula socialista.

Me enganei depois da primeira curva. Ali estava a parede vermelha. A mesma parede vermelha com bolinhas azuis, única em todo o labirinto.

Tomado pelo pânico iniciei uma corrida desesperada sem direção. Mesmo sabendo que era inútil, corri como se minha vida, minha liberdade, dependessem disso.

Só parei quando, horas mais tarde, sem saber onde estava, vi novamente aquela mancha de mofo com o formato do mapa da Itália, com um Berlusconi e seu harém pago sorrindo para mim.

I.R.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

brass band

a brisa o vento e o tufão
o hálito fresco o bafo de onça
o sopro da vida o último suspiro
o som dos metais mais a percussão
a força jazzística o sentimento bluseiro
o delírio balcânico a alma africana o funk
vida sem verbo sem vírgula sopro metal e tambor











I.R.

domingo, 16 de agosto de 2009

pequena mudança

dias que passam, filho que cresce. e a foto ao lado precisa ser atualizada.

I.R.

sábado, 15 de agosto de 2009

fina flor

quando a fada finalmente viu-se feliz
fez-se de noite
e afoita foi
mas não sabia mais voar.
findo o dia veio o açoite,
fim do dia,
o fado no meio da fadaria
e ela fadada a saber
que viver é foda.





I.R.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

colossal

o tijolo oco, os espaços vazios,
mas não são esses espaços o que me descoloca,
é o oco que me faz perguntar
com o que o completo,
e caminho pisando em ovos,
qual faquir sobre brasa,
atacado por 44 ladrões
de adaga em punho,
cozinhando respostas.

com tinta de lula
pinto um autorretrato
rococó-surrealista
pinto um porta-retrato
kitsch-saudosista
em busca de cimento
num kit de primeiros-socorros,
para o espaço vazio,
o oco da lula,
então rechear.

I.R.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

cabelo, banco, autista, diferente,
altura, previsão, calor, tabaco,
trabalho distração, magrelo e fraco,
cabeça, branco, aumento, dor de dente.

japão, coreia, albino, intransigente,
hotel, camelo, vidro, cor e caco,
coca-cola, cocô, kaká e cavaco,
escola, coxa, bunda, lápis, quente.

são apenas palavras num papel,
mochila, fotocópia, carretel,
irracionalidade sem conquista,

silva, garcia, rena, faculdade,
tesão, babaca, horrível, ansiedade,
neste soneto quase dadaísta.

I.R.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

um terço

Num desses dias de agosto ou de setembro, não sei bem, calculando o tempo de vida que tenho desde que nasci, chego a um terço dela como portenho por adoção. Já são 11 anos e meio aqui.

Deixei de ser brasileiro? Não. Claro que não. Mas sei que sou um brasileiro diferente. Olho o Brasil de maneira diferente, às vezes com mais amor, às vezes com mais crítica. Mas continuo votando para presidente, torcendo pelo Vasco, acompanhando os escândalos, os desmandos, as novelas, torcendo pelo Brasil, tomando cerveja em copo americano, desses de boteco.

Sou argentino? Não, mas um pouco. Olho a Argentina ora como estrangeiro, ora como "local". Voto aqui, pago impostos, me meto nos assuntos locais, acompanho o futebol, a televisão, os casos de corrupção, faço críticas, elogio. Jamais quis ser um mero espectador.

Me sinto na fronteira. Ou um desses aparelhos antigos, um dois em um.



I.R.

domingo, 9 de agosto de 2009

lençol branco


Foto: http://charquinho.weblog.com.pt

como uma luz cheia de graça
o lençol branco esvoaça
ao sol
no varal passado...
um sentimento prensado
sabor de erro
gosto não provado
de remédio amargo.
o vento sacode o lençol,
o velho lençol
rasgado,
como uma luz cheia de graça.
luz de um lençol que não me cobre,
não se usa,
esvoaça ao sol
pendurado num varal antigo
que teima em não se deixar cair.

I.R.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Estabacos

Depois de ter visto em versão curta,



visto em versão longa,



e ter descoberto que Caetano e Steven Tyler tinham algo em comum,

,

me vi pensando em duas coisas.

A primeira: para que as pessoas levam câmeras ou celulares com câmera e fazem essas gravações caseiras? Para ver o show outra vez, com certeza é melhor comprar o DVD. Ninguém aguenta essas imagens caseiras por mais de 3 minutos.

A segunda: será por isso que João Gilberto sempre se apresenta sentado?



I.R.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Na Barca de Calderón

A vida... um sopro forte como um vento
Que vem e desalinha o meu cabelo,
Um gosto pra sentir, mas não pra vê-lo,
Para não enteder; e eu já não tento

A vida... um cozinhar a fogo lento,
Que me arrepia a pele, a carne e o pelo,
Um gosto que é impossível de entendê-lo,
Que mata a sede e faz-me mais sedento

Mas queremos resposta a qualquer custo;
Perguntamos, embora seja injusto
Querer sempre resposta e solução

Pois bem melhor seria não saber,
Da verdade não ter que se esconder,
A vida é sonho e sonhos, sonhos são

I.R.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

canario luna

entre nosotros el canario ya no canta,
se fue a la luna,
pero nos dejó su carnaval.
su voz cargada de sentimiento,
su sentimiento desnudo por su voz,
el amor por momo,
la amistad con pierrot
son recuerdo,
invitación al brindis.
de su nueva murga,
“los ángeles saltimbanquis”,
nos llega la invitación
para que la fiesta no termine.





I.R.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

voo grande

um ponto azul
no verde ondulado
kamikazes pretos, famintos,
entre a espuma branca e o cinza
barbatanas
escamas
zarabatana de um índio contemporâneo
que assiste ao balé alado em seu camarote vip
fernão capelo
juan salvador
do cabo ao estreito de magalhães
um ponto azul sentado sob as bailarinas

kamikazes pretos, famintos,
mergulho cheio de vida
nadando junto ao ponto azul
que aponta para o horizonte
de onde surge uma anti-manhã

kamikazes e guelras
na espuma branca de um verde ondulado
com um teto cinza
e um ponto azul
um ponto azul entre kamikazes salgados
o ponto azul registrado na minha lente sem asas

I.R.

sábado, 1 de agosto de 2009

afro-peru. novalima.

nem só de lima
de cusco,
de inca,
inca cola,
e ceviche
altitude,
história,
6 a 0,
emigrantes,
pacífico,
o oceano,
é feito o peru.
também há afro,
neo-afro,
novalima
tradição moderna na veia.





I.R.